sábado, 26 de setembro de 2009

Jorge, nem santo e nem verbo

Em berço sem colcha, porém
Com algumas poucas trouxas
De vida leve, gente humilde,
mas não sem muito labor

O pai, de coragem e braços fortes
Em batalhas, suadas e incansáveis
Amostra viva de valores, porém
Tristeza de uma breve vida

A mãe, redobrada de amor
Em cantigas, em lições
Caminhadas e alvoradas
Lembranças de uma vida de grande valor

Uma fé de vida e de morte
Calçada forte em pedra sabão
Coração ao norte de uma confissão
Olhos que, com sua visão
um dia, quem sabe, talvez, alguma paz

Uma busca constante, Jorge trabalhador
Muros, andaimes, altura e temor
Nas tramas do meio dia, no silêncio da madrugada
No tempo de um cigarro, no trago da cachaça
Na fé em seu santo, e tudo mais nada

No final do dia,
Sem ao menos um terço de plena satisfação
Sem canto nem vela
Sem verbo, sem fala
Jorge em seu pranto, no espelho

Ainda um vencedor em sua crença, pois
Mesmo na árdua vida, incessante
Mesmo sem verbo, sem verba, sem ação
Não Jorge santo, mas Jorge homem
Nem de longe enfraquecido
Por sinal muito mais vivo para um novo amanhã


PS: Aqui eu tentei fazer um escrito sem verbo (sem a ação que o verbo carrega) com a idéia de retratar a vida quase sem possibilidades que tantos "heróis do dia-a-dia" nos ensinam,, pessoas simples e com muita garra, que aqui identifiquei em um personagem e chamei de Jorge (também como uma alusão ao São Jorge Guerreiro, aquele mesmo que vemos nas noites de lua cheia)!

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Canção

Tormentas por vezes em vão,
Lidar com o medo ali no portão
Não perdoar os desnaturados
Seguir em frente, com razão.
Um papel e um lápis na mão

Vi viver o que há de morrer
Pois o que se vive enquanto se nota
E mesmo sem se acordar,
sempre morre no final das contas,
caso contrario, vivo não seria

Perco a conta do nascer, falecer e
notar o quanto cantar é contar,
acordar uma canção... uma ilusão

Pois de canto em canto,
não se acorde sem uma nota,
sem viver e morrer numa canção

sábado, 19 de setembro de 2009

O meu lugar

Depois de ver tanto desencontrar,
apostar e se colocar como jamais havia sido possível
e insistir que às pressas alguma coisa se resolva...

É hora de parar e pensar,
reconstruir com pedras pequenas e maciças,
com a paciência de um artesão
com a delicadeza forte de um navio
lacônico e sutil em seus movimentos.

Pois contar com o acaso é descaso
Caso algo aconteça,
a responsabilidade não pode ser suprimida, pois
desconhecer é também se posicionar,
desencontrar-se consigo e com o outro.

Já reconhecer, é tornar-se alguém ao menos para sim mesmo.

Encontrar o meu lugar: aconchegante e por vezes inóspito,
mas MEU.

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Acerca do escrever

O poeta sabe ser só, faz da solidão sua tenra morada. Na companhia de um cigarro, um quarteirão e mais outro.Vive uma busca constante, uma dor vibrante, um sorriso esporádico.
Alegria? Nada além de um intervalo que o deixa assim, e logo ele a deixa,pois a felicidade é algo que o impede de pensar, o deixa bobo, algo pelo qual as vezes se deixa levar por nada, talvez uma fantasia de um grande amor. Talvez.
E é assim, sem rima, sem métrica, sem prosa e sem verso que ele descansa, e alcança sua breve tranqüilidade, na paz de sua voluntária desvaidade.

domingo, 13 de setembro de 2009

LETRA E MÚSICA

Hoje trago uma música, a mais recente que fiz e a primeira que enfim consegui gravar aqui em casa com minha semi-acústica, um garrafão de 20 litros indaiá, uma escova de sapato, minha guitarra “stratocaster MDF fretless” (hehehe...) e minha voz.
Ah sim, a letra também é de minha autoria. Nada muito espetacular, mas um resultado interessante pra mim. Eu qualifico como simples e audível.
Convido vocês a escutar a música nesse link do meu "myspace":

http://www.myspace.com/bacchiniam
http://www.myspace.com/bacchiniam
http://www.myspace.com/bacchiniam

Te convido a segurar minha mão

"Em meio ao palco das canções invisíveis
aos olhos, aos ouvidos desatentos
Tanta alegria, tanta harmonia,
tanta tristeza, tanta, tanta...pra que?

Mas um olhar... o que pode um olhar?
Outro amar me soou tão desmedido,
mais que um ombro amigo,
mais que mãos, mais que abraços,
enlaço-me, enlaço-me.

É o viver que volta com o vento
Abrindo portas tão fechadas
Que vontade enorme de poder te ver
Você ouvindo meu canto, mesmo que torto,
Que bom seria se ele voltasse a acertar de novo
em cheio teus olhares,
Pra que assim, pra que assim...

Te convido a segurar minha mão, minha mão, seu aceite, poesia, canção, segurar minha mão..."

sábado, 5 de setembro de 2009

Passado presente

Iniciando

Inicio a atividade deste blog depois de uma longa tarde e noite satírica na casa de uns amigos, na qual pude suspeitar de uma crescente, embora antiga, vontade de expressar idéias, pensamentos, cultura, e por que não, besteiras, burrices e revoltas.
E por que? Um simples interesse pelo contato com o outro.
Então, depois desse breve "blabla...", digo, introdução eu digo o que me passou pelas idéias: Interessante ver o quanto o passado nos reserva. O passado parece um amigo velho que dá um tapinha nas costas e diz: "Cuidado meu rapaz, olha o que já me aconteceu"! Além disso, embora antigo ele sempre me aparece cheio de novidades.
Pegando esse fio condutor, recortei um trecho da vida e obra do poeta brasileiro chamado Patativa do Assaré.
Sim, ouvi seu nome pela primeira vez naquela tarde da qual já falei, o que me fez sentir uma pontada de cobrança por desconhecê-lo. Ele me chamou muita atenção por três coisas: simplicidade, beleza e ao mesmo tempo complexidade.
-Simplicidade por sua história. Nascido e vivido no interior do ceará (Assaré), ser pouco provido de "competências" acadêmicas em relação à leitura e escrita e, por outro lado, mostrar-se incrivelmente "alfabetizado" e habilidoso com as palavras;
-Complexidade, como presente em sua Wikipédia, pela "capacidade de criar versos tanto nos moldes camonianos (inclusive sonetos na forma clássica), como poesia de rima e métrica populares (por exemplo, a décima e a sextilha nordestina)";
-Beleza, eu deixo por conta de quem ler.

Trago então seu poema escrito para sua filha, morta ainda criança por... bom, melhor ler na própria poesia!


"Eu vou contá uma histora
Que eu não sei como comece,
Pruquê meu coração chora,
A dô no meu peito cresce,
Omenta o meu sofrimento
E fico uvindo o lamento
De minha arma dilurida,
Pois é bem triste a sentença
De quem perdeu na isistença
O que mais amou na vida.

Já tou velho, acabrunhado,
Mas inriba dêste chão,
Fui o mais afortunado
De todos fios de Adão.
Dentro da minha pobreza,
Eu tinha grande riqueza:
Era uma querida fia,
Porém morreu muito nova.
Foi sacudida na cova
Com seis ano e doze dia.

Morreu na sua inocença
Aquêle anjo incantadô,
Que foi na sua isistença,
A cura da minha dô
E a vida do meu vivê.
Eu bejava, com prazê,
Todo dia, demenhã,
Sua face pura e bela.
Era Ana o nome dela,
Mas, eu chamava Nanã.

Nanã tinha mais primô
De que as mais bonita jóia,
Mais linda do que as fulô
De un tá de Jardim de Tróia
Que fala o dotô Conrado.
Seu cabelo cachiado,
Prêto da cô de viludo.
Nanã era meu tesôro,
Meu diamante, meu ôro,
Meu anjo, meu céu, meu tudo,

Pelo terrêro corria,
Sempre sirrindo e cantando,
Era lutrida e sadia,
Pois, mesmo se alimentando
Com feijão, mio e farinha,
Era gorda, bem gordinha
Minha querida Nanã,
Tão gorda que reluzia.
O seu corpo parecia
Uma banana-maçã.

Todo dia, todo dia,
Quando eu vortava da roça,
Na mais compreta alegria,
Dento da minha paioça
Minha Nanã eu achava.
Por isso, eu não invejava
Riqueza nem posição
Dos grandes dêste país,
Pois eu era o mais feliz
De todos fio de Adão.

Mas, neste mundo de Cristo,
Pobre não pode gozá.
Eu, quando me lembro disto,
Dá vontade de chorá.
Quando há sêca no sertão,
Ao pobre farta feijão,
Farinha, mio e arrôis.
Foi isso que aconteceu:
A minha fia morreu,
Na sêca de trinta e dois.

Vendo que não tinha inverno,
O meu patrão, um tirano,
Sem temê Deus nem o inferno,
Me deixou no desengano,
Sem nada mais me arranjá.
Teve que se alimentá
Minha querida Nanã,
No mais penoso matrato,
Comendo caça do mato
E goma de mucunã.

E com as braba comida,
Aquela pobre inocente
Foi mudando a sua vida,
Foi ficando deferente.
Não sirria nem brincava,
Bem pôco se alimentava
E inquanto a sua gordura
No corpo diminuía,
No meu coração crescia
A minha grande tortura.

Quando ela via o angu,
Todo dia demenhã,
Ou mesmo o rôxo beju
De goma de mucanã,
Sem a comida querê,
Oiava pro dicumê,
Depois oiava pra mim
E o meu coração doía,
Quando Nanã me dizia:
Papai, ô comida ruim!

Se passava o dia intêro
E a coitada não comia,
Não brincava no terrêro
Nem cantava de alegria,
Pois a farta de alimento
Acaba o contentamento,
Tudo destrói e consome.
Não saía da tipóia
A minha adorada jóia,
Infraquecida de fome.

Daqueles óio tão lindo
Eu via a luz se apagando
E tudo diminuindo.
Quando eu tava reparando
Os oínho da criança,
Vinha na minha lembrança
Um candiêro vazio
Com uma tochinha acesa
Representando a tristeza
Bem na ponta do pavio.

E, numa noite de agosto,
Noite escura e sem luá,
Eu vi crescê meu desgôsto,
Eu vi crescê meu pená.
Naquela noite, a criança
Se achava sem esperança
E quando vêi o rompê
Da linha e risonha orora,
Fartava bem pôcas hora
Pra minha Nanã morrê.

Por ali ninguém chegou,
Ninguém reparou nem viu
Aquela cena de horrô
Que o rico nunca assistiu,
Só eu a minha muié,
Que ainda cheia de fé
Rezava pro Pai Eterno,
Dando suspiro maguado
Com o rosto seu moiado
Das água do amó materno.

E, enquanto nós assistia
A morte da pequenina,
Na menhã daquele dia,
Veio um bando de campina,
De canaro e sabiá
E começaro a cantá
Um hino santificado,
Na copa de um cajuêro
Que havia bem no terrêro
Do meu rancho esburacado.

Aqueles passo cantava,
Em lovô da despedida,
Vendo que Nanã dexava
As misera desta vida.
Pois não havia ricurso,
Já tava fugindo os purso.
Naquele estado misquinho,
Ia apressando o cansaço,
Seguido pelo compasso
Da musga dos passarinho.

Na sua pequena bôca
Eu via os laibo tremendo
E, naquela afrição lôca,
Ela também conhecendo
Que a vida tava no fim,
Foi regalando pra mim
Os tristes oínho seu,
Fêz um esfôrço ai, ai, ai,
E disse: "Abença, papai!
"Fechó os óio e morreu.

Enquanto finalizava
Seu momento derradêro,
Lá fora os passo cantava,
Na copa do cajuêro.
Em vez de gemido e choro,
As ave cantava em coro.
Era o bendito prefeito
Da morte do meu anjinho.
Nunca mais os passarinho
Cantaro daquele jeito.

Nanã foi, naquele dia,
A Jesus mostrá seu riso
E omentá mais a quantia
Dos anjo do Paraíso.
Na minha maginação,
Caço e não acho expressão
Pra dizê como é que fico.
Pensando naquele adeus
E a curpa não é de Deus,
A curpa é dos home rico.

Morreu no maió matrato
Meu amô lindo e mimoso.
Meu patrão, aquele ingrato,
Foi o maior criminoso
Foi o maió assassino.
O meu anjo pequenino
Foi sacudido no fundo
Do mais pobre cimitero
E eu hoje me considero
O mais pobre dêste mundo.

Soluçando, pensativo,
Sem consôlo e sem assunto,
Eu sinto que inda tou vivo,
Mas meu jeito é de defunto.
Invorvido na tristeza,
No meu rancho de pobreza,
Tôda vez que eu vou rezá,
Com meus juêio no chão,
Peço em minhas oração:
Nanã, venha me buscá!"